Fragmentos de um ensinamento desconhecido

Complementa as obras escritas pelo próprio G. Revela o ensinamento originalmente dado a grupos formados em Moscou e São Petersburgo. Demonstra uma outra formatação analítica e detalhada, de certo modo até mais hermética, da mensagem que viria a ser adotada nos escritos de G. Opta por um estilo mais analítico e pouco imagético. Fascina pela dimensão da análise do “milagroso” (no título inglês original) em sua riqueza descritiva, ao mesmo tempo que assim oferece um enorme risco de entendimento literal e de promover o “desenvolvimento espiritual” favorecendo sobremaneira o “trabalho sobre si” com vistas a alcançar a única “meta” merecedora de todo esforço, “tornar-se mestre de si mesmo”, segundo palavras do próprio livro. Tantas questões dignas de ser respondidas sobre tal meta, e meios e esforços para alcança-la, passadas em branco, a começar por um questionamento fundamental: trata-se de uma empreitada de aperfeiçoamento do “ego”, ou da “personalidade” como designa o livro? quem, o que “eu” perseguirá tal meta? com os recursos do próprio “ego”? Algumas passagens do livro deixam muito claro esta impossibilidade de ser “mestre de si” e até informam sua irrelevância, como a passagem abaixo que diz que “o homem nada pode fazer”.

“O homem é uma máquina. Tudo o que faz, todas suas ações, todas [36] suas palavras, seus pensamentos, seus sentimentos, suas convicções, suas opiniões, seus hábitos, são os resultados das influências exteriores, das impressões exteriores. Por si mesmo, um homem não pode produzir um único pensamento, uma só ação. Tudo o que diz, faz, pensa, sente, tudo isso acontece. O homem não pode descobrir nada, não pode inventar nada. Tudo isso acontece.

“Mas, para estabelecer esse fato, para compreendê-lo, para convencer-se de sua verdade, é preciso libertar-se de milhares de ilusões sobre o homem, sobre seu ser criador, sobre sua capacidade de organizar conscientemente sua própria vida e assim por diante. Nada disso existe. Tudo acontece — os movimentos populares, as guerras, as revoluções, as mudanças de governo, tudo isso acontece. E acontece exatamente do mesmo modo como tudo acontece na vida do homem individual. O homem nasce, vive, morre, constrói casas, escreve livros, não como deseja mas como isso acontece. Tudo acontece. O homem não ama, não odeia, não deseja — tudo isso acontece.

“Mas nenhum homem jamais acreditará em você, se lhe disser que ele não pode fazer nada. Não se pode dizer nada de mais desagradável e ofensivo às pessoas. É particularmente desagradável e ofensivo porque é a verdade e porque ninguém quer conhecer a verdade.

“Se você o compreender, será mais fácil falarmos. Uma coisa, porém, é captar com o intelecto que o homem não pode fazer nada e, outra, experimentá-lo “com toda a sua massa”, estar realmente convencido de que é assim e nunca esquecê-lo.

“Essa questão de fazer (G. acentuava esta palavra a cada vez) suscita, aliás, uma outra. Parece sempre às pessoas que os outros nunca fazem nada como deveriam, que os outros fazem tudo errado. Invariavelmente, cada um acha que poderia fazer melhor. Ninguém compreende, nem sente a necessidade de compreender, que o que se faz agora — e principalmente o que já foi feito — de certa maneira, não se poderia fazer de outra maneira. Já observou como todos eles falam da guerra? Cada qual tem seu próprio plano, sua própria teoria. Cada qual é de opinião que não se faz nada convenientemente. Em verdade, no entanto, tudo é feito da única maneira possível. Se uma só coisa pudesse ser feita de modo diferente, tudo poderia tornar-se diferente. E talvez, então, não tivesse havido a guerra.

“Tente compreender o que digo: tudo depende de tudo, todas as coisas estão ligadas, nada há separado. Todos os acontecimentos seguem, portanto, o único caminho que podem seguir. Se as pessoas pudessem mudar, tudo poderia mudar. Elas, porém, são o que são e, por conseguinte, as coisas também são o que são.”

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