Gurdjieff usa com frequência a metáfora do ator para falar sobre o ser humano plenamente desenvolvido. Ele fala sobre desempenhar um papel na vida, respondendo a todas as demandas de situações variáveis, assumindo-as completamente, sem perder sua liberdade interior. Isso é exatamente o que se espera de um bom ator.
O teatro mostra os movimentos da vida de uma forma concentrada que os torna fáceis de ler; é um laboratório ideal onde as ideias tomam forma e podem ser verificadas experimentalmente.
Um bom ator nunca acredita completamente em seu personagem, ao passo que um mau ator se dedica de corpo e alma ao seu desempenho a ponto de se perder completamente; muitas vezes ele sai do palco convencido de que deu o melhor de si, enquanto fica claro para todos que o viram que ele foi excessivo, artificial e falso. Mas ele não pode de forma alguma perceber isso porque está cego: não há a menor distância entre ele e a imagem que projeta, ele foi engolido pelo que Gurdjieff chama de “identificação”. Por outro lado, quanto melhor o ator, menos ele se identifica com sua função. Um aparente paradoxo: quanto menos ele se identifica, mais profundamente ele se compromete. Ele é como uma mão em uma luva, separado, mas inseparável. A função penetra em cada uma de suas células, mas não o aprisiona. Dentro do papel, ele é livre e altamente vigilante.
Um iniciante nunca pode experimentar essa liberdade; ele é prisioneiro de sua falta de jeito, de seus medos, de sua falta de compreensão e de seu desejo de agradar. Um ator responde exatamente a isso. Em toda escola de teatro, seja qual for o estilo, o trabalho cotidiano é essencialmente uma busca pela qualidade. Todos reconhecem isso instintivamente e isso é expresso no trabalho cotidiano em palavras simples como “está bom”, “não está tão bom”, “está melhor”, “está ruim”. Essas palavras podem se referir a exercícios do corpo ou à expressão de sentimentos, ao ritmo da atuação, à clareza intelectual, mas invariavelmente o que é reconhecido é a qualidade, e o objetivo real do ator — o objetivo implícito — é chegar ao ponto em que uma energia mais refinada molda e inspira sua ação. Só então o papel dá uma impressão de verdade.
Para o público, a qualidade é o único critério. Durante a atuação, o ator irradia constantemente uma corrente de energia que influencia diretamente a qualidade da atenção de quem está assistindo: em certos momentos poderosos, raros e intensos, o ator e o público se tornam um só. Esses são momentos de graça, quando os egos individuais não atrapalham mais a experiência compartilhada, que é sempre expressa em um tipo particular de silêncio.
O que é esse silêncio? Como podemos defini-lo? A experiência nos mostra que há muitos tipos de silêncio. Há o silêncio sussurrante no início da apresentação: mil espectadores estão sentados juntos; cada um deles está parcialmente disponível e parcialmente preso ao murmúrio de seus pensamentos e preocupações.
Há também aqueles momentos de silêncio pelos quais passamos, um após o outro, à medida que nossos sentimentos são tocados e compartilhamos cada vez mais com as pessoas ao nosso redor. Em seguida, a qualidade do silêncio muda, ele se aprofunda de forma muito perceptível até que uma experiência comum nos une, até que finalmente chegamos àquele ponto precioso em que ouvimos um alfinete cair, em que o silêncio é ao mesmo tempo cheio e vazio e em que, em algumas raras ocasiões, a plateia como um único ser vivencia um momento de intensa beleza. Nesse processo, experimentamos uma “ascensão” em uma gama de valores e, então, compreendemos a realidade da qualidade.
Entretanto, qualquer que seja a forma que assuma, a arte só pode nos dar reflexos, meros vislumbres, de realidades ocultas. Seu efeito, sendo parcial e elusivo, nunca pode estabelecer uma compreensão duradoura. O verdadeiro valor da arte não está no que ela é, mas no que ela sugere. Ela nos permite descobrir novos graus de lucidez dentro de nós mesmos, que podem se elevar a um nível culminante de consciência, onde todas as imagens não passam de sombras fugazes.
[Dossiers H]