Qualquer estudo sobre René Daumal sem dar à aventura gurdjieffiana a importância que ela merece estaria se condenando a uma total incompreensão desse poeta. A experiência de Daumal é ainda mais interessante pelo fato de ser a de um homem que foi educado no mais duro agnosticismo, que enfrentou as aberrações abismais de seu tempo, entregue aos tormentos da morte e à vertigem da expectativa; sem referências precisas, na política, na poesia ou na filosofia; espiritualmente faminto e abandonado à própria sorte, até que conheceu em 1930 M. de Salzmann, discípulo de Gurdjieff desde 1913.
Foi-lhe revelado que “o homem pode atingir a idade adulta, que alguns já a atingiram e que não guardaram para si os meios de atingi-la”; que, por mais estreita que seja, existe uma porta para o Infinito e que há uma chave para abrir essa porta. Foi a confirmação total de que o Conhecimento Oculto, a Sabedoria primordial, buscada em vão por Daumal durante tantos anos por meio de drogas — assustadoras —, ocultismo ou onirismo — igualmente decepcionantes —, existia de fato, e que era até mesmo possível, no coração do Ocidente e em meados do século XX, obter acesso a ele se você merecesse.
Seis ou sete anos mais tarde, primeiro no Café de la Paix, depois na rue des Colonels-Renard, Daumal seria apresentado a Gurdjieff.
Vale a pena observar como o humor desse personagem enigmático, que provocou muitas críticas e afastou muitos visitantes, ajudou a manter Daumal no caminho certo. Aqueles encolhimentos de ombros, aquelas gargalhadas gigantescas confirmavam para ele o que ele considerava uma marca de autenticidade. “O Mestre”, escreveu ele a R. de Renéville, “começa repreendendo o futuro discípulo, zombando dele, insultando-o, desmoralizando-o…”. Esse método de ensino, como sabemos, não é estranho a certas escolas de budismo, onde as várias formas de brutalidade são deliberadamente levadas ao seu ponto máximo. O comportamento de um Marpa que intimidava seu discípulo não era “uma parte deliberada do ensinamento”, assim como seu amor tântrico por banquetes e bebidas, para significar “que ele sabia como saboreá-los e que era livre para fazê-lo”? E, da mesma forma, o Ensinamento de Gurdjieff, que possuía um raro grau de conhecimento do ser humano, não hesitava em expor este último à vergonha, a fim de alcançar as profundezas de si mesmo: o que poderia ser mais humilhante do que ser mentalmente desnudado e obrigado a admitir sua impotência para sair de um estado execrável?
Ninguém mais do que um admirador entusiasmado de Jarry poderia ter sido predisposto a esse treinamento pelo humor, um elemento destrutivo nascido do espírito de escândalo, contra a incoerência — ou coerência — social, moral e intelectual. A ironia é a ferramenta usada para quebrar as cascas do caráter, da profissão, das inclinações e das opiniões. Praticante do “sarcasmo metódico”, Gurdjieff insiste na importância e na necessidade de choques, de romper muitos “comprometimentos” confortáveis, de quebrar as categorias rígidas do conformismo estreito sem se preocupar com o que as pessoas dirão, à maneira da Malâmatiyah1.
Somos tentados a pensar que, aos olhos de Daumal, Gurdjieff foi um verdadeiro surrealista da iniciação; e que Faustroll, o estudioso circassiano, foi para ele a proclamação do sábio caucasiano. Para Jarry, o descobridor de uma patafísica que seu emulador persistiria, com tantas temporadas, em considerar como algo além de uma piada, o riso, “consciência vívida de uma dualidade absurda”, permanece “a única expressão humana do desespero”2. Para Gurdjieff, assim como para Spinoza e o asceta Upanixádico, essa alegria não é motivo de riso e consiste em ir “de uma perfeição menor para uma maior”. Incompreendida pela maioria, apareceu para Daumal como o riso patafísico em seu estado mais puro, no coração do qual florescia uma simpatia que unia dois seres predestinados ao encontro filosófico: o jovem de cabelos compridos, arrastando seu desejo de conhecimento pelas ruas burguesas, colocando farsas com um aroma normaliano nos quatro cantos de seu trabalho; e o falso comerciante de tapetes, realizando reuniões em cafés e carregando seus relatos extraordinários com os arabescos da persiflagem.
[Jean Biès, La voie de René Daumal du Grand Jeu au Mont Analogue]O Malâmatiyah, ou “Povo da Culpa”, tem como regra adotar uma atitude comum, mesmo que seja rude ou repreensível aos olhos dos ignorantes, especialmente porque eles próprios se beneficiam internamente da “Proximidade Divina”. Seu desprezo pelo mundo assume a forma de inconformismo e humor. — As sociedades tradicionais nunca se esqueceram do que está por trás da máscara popular. ↩
À primeira vista, nada parece unir dois homens como A. Jarry e G. I. Gurdjieff. No entanto, um estudo comparativo entre eles revelaria uma série de semelhanças: o mesmo gosto por paradoxos e disfarces de pensamento; a mesma incoerência e irreverência, destinadas a “atrair para as esferas”; a mesma busca pela ciência objetiva; o mesmo heroísmo à margem e a mesma grosseria. Sultan Schahriar, em Messaline, se encaixaria bem com Mullah Nassr Eddin; Haldernablou poderia ser o nome de um planeta irmão de Karataz. ↩