Boehme chama o Segundo Princípio de “o princípio da luz”. É a ira transfigurada pelo amor. Da angústia (terceira propriedade) passamos diretamente para a quarta propriedade, que Boehme chama de “fogo”. Ele tem dois conjuntos diferentes de metáforas para descrever essa transição crítica. O conjunto mais acessível retrata essa propriedade começando como uma faísca acesa pelo atrito – o atrito sendo precisamente o esforço angustiado na roda da contenda colocada em movimento pelas três primeiras propriedades. “Pois assim”, escreve Boehme, “o deleite eterno torna-se perceptível, e essa percepção da Unidade é chamada de amor”.1
Considero essa uma das frases mais extraordinárias já escritas. Embora para muitos cristãos a afirmação “Deus é amor” seja pouco mais do que um clichê teológico, Boehme vê esse amor como o fruto de um processo transformador dramático e até mesmo ultrajante. Por meio da audácia de comprimir o desejo na fricção da angústia, a pederneira é atingida e a natureza de Deus pode se manifestar externamente na dimensão do amor, que se torna a quinta propriedade. O amor de Boehme não é um atributo divino preexistente, mas mais como um novo composto alquímico que surge da interação das quatro primeiras propriedades. Ele não pode se manifestar de nenhuma outra forma.
Ao emergir de seu solo ardente, esse amor é uma imagem ou espelho perfeito (ou “contragolpe”, termo preferido por Boehme) da Unidade original, só que agora na dimensão da perceptividade e do “movimento” – ou, em outras palavras, com uma capacidade recém-descoberta de se manifestar por meio das inúmeras e diversas formas de criação individual “para que possa haver um jogo eterno na unidade sem fim”.2 Assim, a matriz divina apropriada é estabelecida na qual toda a criação virá a existir. A quinta propriedade rapidamente dá origem à sexta propriedade, “som” (a Palavra divinamente geradora, ou Logos, com a qual a narrativa bíblica familiar começa), e a sétima propriedade, que Boehme chama de “substância” ou “natureza”, o bloco de construção primordial a partir do qual o universo criado é formado. É interessante notar que, para Boehme, essa “substância” não é simplesmente um material, mas um modelo ativo que pode se reproduzir. Ele deixa claro que essa propriedade final recapitula todas as outras em si mesma. Na terminologia moderna, poderíamos caracterizá-la como algo como um “DNA cosmogenético”. Ela é tanto um holograma do surgimento original das sete partes quanto um princípio criativo em si mesmo.