Fremantle (Parabola V3N2) – sacrifício

A ideia de sacrifício como uma forma de tornar sagrado sempre fez parte do pensamento ocidental. Hoje em dia, a palavra permanece, mas é usada com mais frequência no sentido político e econômico de apertar o cinto ou de aceitar inconveniências necessárias para o bem-estar comum, ou até mesmo como uma espécie de troca ou escambo. Não há outra palavra que carregue seu significado primordial, portanto, é necessário restaurar a palavra ao seu significado original e trazê-la de volta ao justo uso, pois não se trata apenas de uma palavra, mas de uma ideia dinâmica, tão viva agora como sempre, embora aparentemente desatualizada. E também é um paradoxo.

Se, como diz a tradição, o universo foi criado, então tudo deve ser sagrado, porque essa qualidade deriva do Criador; portanto, a ideia de “tornar sagrado” é redundante. Mas se, de acordo com alguns pensamentos atuais, nosso universo é acidental, surgindo de um início desconhecido, então nada nele é ou se tornará sagrado. E nossa compreensão dessa contradição não é ajudada pela perspectiva cristã tradicional que, apoiando-se nas palavras “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos”, fala da morte como “o sacrifício supremo”; nem é ajudada pelos ritos tradicionais de sacrifício nos quais o sangue das vítimas é oferecido. Como a destruição da vida — seja no altar ou no campo de batalha — pode tornar sagrada a própria vida?

Acho que o elemento reconciliador entre esses aspectos conflitantes de significado deve ser buscado na visão do sacrifício como parte essencial do processo da vida, e não como um ato isolado de expiação. Há uma passagem impressionante, embora muito breve, no Evangelho de São João, na qual Cristo diz (aparentemente referindo-se aos mistérios eleusinos, já que Filipe havia acabado de anunciar que dois gregos desejavam falar com ele): “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dá muito fruto.” Nessa declaração, e no contexto dos mistérios gregos, a ideia de sacrifício e morte está ligada à ideia de renascimento e realização. Ou seja, a ideia de sacrifício e a de imortalidade, vida além do tempo; “antes que Abraão existisse, eu sou”. Ao unir sacrifício, sofrimento e morte com o conceito de transformação e da continuidade da vida como um processo total, todas as contradições aparentes são resolvidas. A perspectiva de que a vida em si não morre, mas se expressa em constante transformação e movimento, está na raiz das principais tradições religiosas do Oriente e do Ocidente.

Aqui, à luz do pensamento investigativo moderno, surge a pergunta: o que de fato é a ação transformadora do sacrifício e do sofrimento sobre a pessoa que o oferece? O primeiro ensinamento contemporâneo a fazer essa pergunta parece ter sido o de Gurdjieff, com sua ênfase em “trabalhos conscientes e sofrimento intencional”. Todo sacrifício envolve sofrimento, às vezes benéfico e às vezes não; o que parece distinguir o sofrimento “útil”, fortalecedor e transformador daquele que é inútil e distorcido é precisamente sua qualidade intencional. Se o sofrimento não for aceito voluntariamente, ele se transforma em amargura, como a mulher de Lot se transformou em sal.

Mas com a ideia de sacrifício voluntário surgem outras questões. Hoje, o ascetismo cristão medieval que se expressava em autotortura parece remoto; qualquer tendência desse tipo é suspeita, como masoquismo ou, na melhor das hipóteses, apenas mais uma viagem do ego. Portanto, a pergunta se torna importante: qual é a natureza e de quem é a vontade por trás dessa ação voluntária? Qual é o papel transformador da vontade pessoal no sacrifício? O que, de fato, é o que chamamos de “vontade”? Sabemos muito mais sobre a “vontade própria”, com suas motivações do ego, do que sobre a própria vontade humana; e como podemos separar a vontade real das respostas condicionadas e das defesas formadas em torno de uma pessoa desde o nascimento?

[Christopher Fremantle, Parabola V3N2]

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