A terceira menção de Gurdjieff (e o mais forte endosso) de Arauto é, como de costume, indireta e apresentada como se estivesse “em segundo plano”. Essa consideração nos leva de volta ao título do presente capítulo, “Tzvarnoharno”, cuja palavra-chave (semelhante à função da “foscalia” encontrada anteriormente) forma uma “ponte” para o livro quatro. O que é esse misterioso “algo”, essa força que se acumula na vida comum das pessoas chamada “Tzvarnoharno”, que se diz ser responsável pelo “acidente” automobilístico de Gurdjieff?
Veja na página 80-81 [Terceira Série] e lembre-se de que essa intriga vem trinta páginas depois de seu suposto “conselho” de que devemos “agradecer às circunstâncias” e ignorar Arauto.
Nessa seção, ele menciona seu “acidente de carro” (acidente de carro — entre aspas), o que indica que não foi acidente algum. Em vez disso, foi:
… o último acorde da manifestação em minha direção daquele “algo” que geralmente se acumula na vida comum das pessoas, que, conforme mencionado por mim em Arauto do Bem Vindouro, foi notado pela primeira vez pelo Grande, realmente Grande Rei da Judeia, Salomão, e foi chamado de “Tzvarnoharno”.
Agora, se Gurdjieff realmente quisesse que ignorássemos o Arauto, não teria trazido à nossa atenção uma terceira vez, e certamente não de forma a despertar nosso interesse, mencionando Tzvarnoharno em conjunto com seu “acidente” automobilístico e nos dizendo que é mencionado no Arauto. Além disso, desperta nosso interesse ao associar esse misterioso “Tzvarnoharno” ao grande e sábio Rei Salomão! O que habilmente não diz, mas que deveríamos perceber, é que Tzvarnoharno não é mencionado em nenhum outro lugar.
O Rei Salomão, por outro lado, é mencionado várias vezes nos escritos de Gurdjieff, inclusive na página 1009 dos Relatos de Belzebu, onde o assunto são alguns dos benefícios reais da prática que hoje, em nossa sociedade contemporânea, comum e “iluminada”, condenamos como poligamia. Mas nessa passagem não há menção a Tzvarnoharno. Novamente, nas páginas 1112-13, encontramos o Rei Salomão mencionado como o criador de uma consideração especial para mulheres menstruadas. Mas novamente não há menção a Tzvarnoharno. Ora, Gurdjieff poderia facilmente ter explicado Tzvarnoharno em qualquer uma dessas duas passagens de Relatos de Belzebu e, com a mesma facilidade, poderia tê-lo explicado quando mencionou Tzvarnoharno na página oitenta de A vida é real — mas não o fez! Por que isso acontece? Bem, em minha opinião, é para que quem tiver ouvidos para ouvir busque a resposta para sua recém-despertada, implantada e alimentada por Gurdjieff, “pergunta ardente” sobre Tzvarnoharno, se é que de fato é uma pergunta ardente, e que é respondida em apenas um lugar, Arauto. Em outras palavras, ele está dizendo, como eu fiz no início deste capítulo: não leiam isto (fortemente implícito) a menos que queiram saber sobre seu “acidente” automobilístico e sobre “Tzvarnoharno”, e é claro que devemos desejar isso. Mais uma vez, como no caso do “pensamento oculto” de Belzebu e do “Adendo”, Gurdjieff está nos atraindo.
Mas o que é realmente surpreendente é que, depois de todo esse acúmulo, depois de todo o drama de relacionar Tzvarnoharno às forças misteriosas por trás de seu suposto acidente e de nos dizer que ele explica isso em Arauto, quando finalmente chegamos à explicação, para nossa consternação, descobrimos que ele dedica menos de um pequeno parágrafo, cerca de onze linhas, a essa suposta explicação, que na verdade não é uma explicação, mas pouco mais do que uma reafirmação de sua existência.
Por quê? Porque Tzvarnoharno é uma palavra singular, memorável, e ela forma uma ponte. Sua suposta explicação e nossa suposta compreensão de Tzvarnoharno não é a questão. Como sempre, seu ponto aparente é um disfarce, como o enchimento de terra no “carrinho de mão” do velho. O verdadeiro objetivo de despertar nosso interesse em Tzvarnoharno e nos dizer que ele o explica no Arauto é nos induzir a ler o Arauto para satisfazer nossa necessidade de entender essa força misteriosa. Em suma, é uma trilha de migalhas de pão.
Depois de associar Arauto direta e firmemente com a possibilidade de realizar seu terceiro objetivo, que está diretamente relacionado ao propósito e à intenção de sua terceira série, e especialmente agora que ele despertou nosso interesse em Tzvarnoharno ao relacioná-lo com as forças por trás de seu “acidente” automobilístico, “Se quisermos saber o que é esse “algo” (e deveríamos querer) e como ele realizará seu terceiro objetivo (e, portanto, sua terceira série), devemos seguir sua trilha cuidadosamente traçada e estudar Arauto para encontrar essas respostas, pois em nenhum outro lugar elas podem ser encontradas.
Dos três livros mais conhecidos de Gurdjieff, o “Tzvarnoharno” é mencionado em apenas um deles, A vida é real…, e mesmo assim apenas como uma placa indicando a direção do Arauto; e a explicação do Tzvarnoharno pode ser encontrada apenas nesse livreto pequeno, despretensioso, mas sempre tão estranhamente escrito, o Arauto. Seu propósito se torna óbvio — ele está “dizendo” para estudarmos o Arauto.