Excerto de entrevista concedida à D.M. Dooling, em A Busca do Ser — revista Parabola X.1
Parabola: O que G. considerava um ser humano integral, uma pessoa totalmente desenvolvida?
Pauline de Dampierre: Homens e mulheres têm possibilidades iguais de desenvolvimento interior. A diferença está na energia natural de cada gênero e no papel de cada um em sua vida exterior para estar em sintonia com isto. O trabalho sobre si é o mesmo, sem diferença.
P: No final de “Encontros com homens notáveis” G diz: “Pode ser chamado homem notável aquele que se destaca dos demais pelos recursos de sua mente, e sabe como se conter nas manifestações que procedem de sua natureza, ao mesmo tempo que conduz a si mesmo de modo justo e tolerante para com as fraquezas dos outros.
PD: Sim. Ele pode ser justo diante da fraqueza dos outros, pois tendo aprendido a conter suas próprias manifestações, sabe o que é; e sabe a dificuldade que é. Uma história Zen pode ilustrar: Um homem cego estava ouvindo a uma conversação próxima e subitamente disse: “Mas que homem extraordinário! Nunca ouvi algo assim!” Quando perguntado o que havia de tão notável, explicou: “As pessoas cegas desenvolvem um sentido acurado de audição. Em toda minha vida, nunca ouvi alguém congratular outro por sua boa fortuna sem ouvir em sua voz ao mesmo tempo uma nota de inveja; e nunca ouvi alguém ter empatia pela desgraça de outro sem ouvir em sua voz uma ponta de superioridade ou até de satisfação pois não era consigo. Mas na voz desta pessoa que fala próximo, quando falou de alegria só ouvi alegria, e quando expressou tristeza, só ouvi tristeza…
O homem que falava próximo ao cego era de fato um santo budista, quem sabe um “ser humano integral”.
P: Surpreendente estória.
PD: Mas não quero dizer com isto que apenas uma pessoa que alcança este grau deveria ser chamada de “real”; porque entre o integralmente realizado que alcanço o maior desenvolvimento possível, e o ser humano ordinário contemporâneo — “inteiramente escravo à disposição de tendências que nada tem a ver com sua verdadeira individualidade” — há lugar para outra categoria de humanidade: aqueles que buscam por um caminho para a verdade. Em outras palavras, pode-se dizer que estes são aqueles que descobriram uma verdade nas palavras do cego, que vai além de uma observação inteligente, que os concerne profundamente. Viram que estes estados quase inconscientes de sentimento nos quais se deixam cair são apenas um aspecto de um problema mais sério — um problema fundamental de toda sua vida. Então, decidem aplicar tudo o que têm em confrontá-lo.