Nicoll (Time) – quantidades e qualidades

A busca por fatos começou com o estudo do mundo fenomenal externo, ou seja, com a ciência. Ela fez com que a verdade parecesse estar apenas fora de nós mesmos — em fatos sobre a matéria. Ela procurou encontrar o princípio básico do universo, resolver seu enigma, descobri-lo em algo externo — no átomo — acreditando que a “explicação” de tudo seria assim encontrada e a causa última do universo e de tudo o que ele contém seria revelada. Tudo foi submetido a pesagem e medição, e teve início o tratamento matemático dos fenômenos. Um tipo de pensamento tornou-se predominante, o qual, partindo do visível, preocupa-se apenas com o que pode ser chamado de verdade externa e, particularmente, com quantidades.

O pensamento mais antigo, pré-científico, preocupava-se principalmente com as qualidades.

Agora, considerado apenas como um corpo físico, o homem é uma quantidade infinitesimal de matéria no universo da matéria. Considerado como uma quantidade mensurável em um universo de quantidades mensuráveis, ele é excluído do quadro. Imagine seu volume material em comparação com a Terra! Ele desaparece; de modo que, pensando apenas quantitativamente sobre nós mesmos e o universo, e partindo do lado visível, demonstrável e ponderável das coisas, pensamos na direção de nossa própria aniquilação como indivíduos.

O homem é composto de qualidades e essas qualidades não se prestam à medição ou ao tratamento matemático, a não ser ficticiamente. É impossível dizer de um homem: que sua coragem = x e sua capacidade de afeição = y e, dessa forma, representá-lo em símbolos matemáticos.

Com o crescente predomínio da verdade “externa” sobre a “interna”, tudo o que realmente pertencia ao homem passou a ser visto como secundário e irreal, e o campo primário e real de investigação passou a ser considerado o que existia independentemente da mente do homem no mundo externo. A transição entre os pontos de vista quantitativo e qualitativo é bem expressa na passagem a seguir:

Até a época de Galileu (século XVII), sempre se considerou como certo que o homem e a natureza eram partes integrantes de um todo maior, no qual o lugar do homem era o mais fundamental. Independentemente das distinções que pudessem ser feitas entre o ser e o não-ser, entre o primário e o secundário, o homem era considerado fundamentalmente ligado ao positivo e ao primário. Nas filosofias de Platão e Aristóteles, isso é bastante óbvio; as observações não deixam de ser verdadeiras para os materialistas antigos. Para Demócrito, a alma do homem era composta dos mais finos e móveis átomos de fogo, o que a ligava imediatamente ao elemento mais ativo e causal do mundo exterior. De fato, para todos os importantes pensadores antigos e medievais, o homem era um microcosmo genuíno; nele se exemplificava uma união de coisas primárias e secundárias que realmente tipificava suas relações no vasto macrocosmo, quer o real e o primário fossem considerados como ideias ou como alguma substância material. Agora, no decorrer da tradução dessa distinção entre primário e secundário em termos adequados à nova interpretação matemática da natureza, temos o primeiro estágio na leitura do homem completamente fora do reino real e primário. Obviamente, o homem não era um sujeito adequado ao estudo matemático. Suas atuações não podiam ser tratadas pelo método quantitativo, exceto da maneira mais limitada. Sua vida era uma vida de cores e sons, de prazeres, de tristezas, de amores apaixonados, de ambições e esforços. Portanto, o mundo real deve ser (pensava-se) o mundo fora do homem; o mundo da astronomia e o mundo dos objetos terrestres em repouso e em movimento” (E. A. Burtt: The Metaphysical Foundations of Modern Physical Science. Kegan Paul, Trench, Trubner and Co., Ltd., Londres, 1925).

Como a verdade e a realidade supremas eram buscadas em algo fora do homem, a investigação naturalmente passou para o mundo dos átomos. Mas o átomo acabou por não constituir uma base simples, fácil e “não ética” para a “explicação” do universo. O átomo provou ser um sistema de extraordinária complexidade, um pequeno universo em si mesmo. Pesquisando cada vez mais em pequenas partes e buscando sempre explicar o todo por suas partes, a ciência chegou a outros mistérios. Em seu aspecto filosófico, ela agora começa a se voltar para ideias semelhantes àquelas com as quais o pensamento pré-científico se preocupava. Mas o que temos de notar especialmente é que a forma de pensamento que parte do visível, do fato, tende a excluir o homem do quadro. As pessoas têm a ilusão de que isso o coloca mais fortemente na imagem, em parte porque não entendem que o próprio homem é essencialmente invisível. Tudo o que é mais real para ele está em sua vida invisível e, relativamente, o visível não é tão real para ele, embora o poder das aparências o faça parecer assim.

Se começarmos com o visível, então, para explicá-lo, devemos passar para suas partes. Se procurarmos explicar o homem por seus órgãos, seus órgãos pelas células que os compõem, os átomos pelos elétrons, perderemos de vista o homem como um todo. Sob o microscópio, o próprio homem desaparece completamente.

[Maurice Nicoll, Living Time]

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