Tudo o que vemos cai na retina do olho, de cabeça para baixo, como em uma câmera. Uma imagem do mundo refratada pela lente do olho cai na superfície da retina, onde é recebida por um grande número de terminações nervosas ou pontos sensíveis. A imagem é bidimensional, como a de uma tela, de cabeça para baixo, e distribuída em pontos de registro separados. No entanto, essa imagem é, de alguma forma, transformada para nós no mundo sólido e suave que contemplamos. A partir de imagens, imaginam-se coisas sólidas. A partir de um espaço de duas dimensões, como o chamamos, cria-se um espaço de três dimensões” (W. K. Clifford, Lectures and Essays, Vol. i, p. 260, 1879, da palestra: “Philosophy of the Pure Sciences”).
Agora o mundo exterior parece próximo de nós, não como se estivéssemos em contato com ele, mas como se estivéssemos nele. Não temos consciência de estar em contato com ele apenas por meio de nossos órgãos dos sentidos situados em toda a cortina de carne. Não temos a impressão de estar olhando para o mundo por meio das pequenas máquinas nervosas vivas dos olhos. O mundo simplesmente parece estar aí, e nós estamos bem no meio dele. Tampouco parece ser uma quantidade de impressões separadas (provenientes de nossos vários sentidos) que se combinam pela ação da mente em um todo composto. No entanto, sabemos que se não tivéssemos olhos ou ouvidos, não poderíamos ver ou ouvir nada. As sensações simultâneas provenientes dos diferentes sentidos e combinadas na mente nos dão a aparência e as qualidades de uma rosa. Na verdade, a rosa é criada por/para nós a partir de todas essas impressões separadas; no entanto, é praticamente impossível perceber a questão dessa maneira. Por/Para nós, a rosa está simplesmente aí.
Quando consideramos que a imagem do mundo na retina é bidimensional e que essa é a fonte de contato com a cena externa, não é difícil entender que Kant tenha chegado à conclusão de que a mente cria o mundo físico e estabelece as leis da natureza, devido a disposições inatas nela que organizam o fluxo de sensações recebidas em um sistema organizado. Os sentidos simplesmente nos fornecem mensagens e, a partir delas, criamos o mundo visível, tangível e audível por meio de alguma ação interna da mente, por algo que é mais do que as mensagens. Mas é extremamente difícil nos persuadirmos de que isso é assim, porque, para fazê-lo, precisamos nos desvincular da impressão extremamente imediata de uma realidade externa na qual estamos invariavelmente imersos. Esse esforço é da mesma natureza peculiar que o necessário para nos darmos conta da invisibilidade de nós mesmos ou de outras pessoas.
[Maurice Nicoll, Living Time]